mais de 100 mil professores em rede (reedição)
Entrámos na capital pela Calçada de Carriche e o movimento automóvel escoava sem grandes constrangimentos. Íamos na direcção de Entrecampos, quando começámos a circular enfileirados em dezenas de autocarros. Virámos para a Avenida de Roma e estacionámos perto da Praça do Saldanha. O relógio marcava 12h45.
Começámos a caminhada mais impressionante que temos memória. Quando entrámos na Fontes Pereira de Melo o trânsito automóvel já estava infernal e engarrafado. O mar de professores vestidos de preto começava a encher-se de ondas e mais ondas de indignação. Almoçámos por ali, numa rua paralela. Dei com um colega, que nunca tinha visto na vida, e que logo me disse: "venho de Fafe, sai de manhã muito cedo, e voltarei as vezes que forem necessárias". O colega não era nenhum jovem, longe disso, e não merecia esta canseira toda num sábado de manhã. Estava dado o mote.
Quando voltámos à Fontes Pereira de Melo, meia-hora depois, já se caminhava com muita dificuldade. Estávamos no meio de pessoas, professores na sua esmagadora maioria, com toda a certeza, de semblante feliz. Os cartazes diziam, obviamente, o contrário.
Entrámos no Marquês de Pombal e logo deduzimos: isto vai fazer história: vai ser um protesto de professores como nunca se viu. O nosso local de encontro, a zona em frente ao edifício do Jornal de Notícias, no início da Avenida da Liberdade, não foi de fácil acesso. Como não conseguíamos circular pelos passeios, tivemos de chegar ao local num cívico serpenteado pelos automóveis que aproveitavam as últimas oportunidades de circulação.
Os cumprimentos e os abraços sucediam-se. À medida que o tempo passava, chegavam todos.
Mais de um hora depois, cerca das 15h15, começava a manifestação. Já com a Avenida da Liberdade à pinha, íamos recebendo informações que antecipavam o que viria a acontecer horas depois: havia professores do Terreiro do Paço ao Saldanha e muitos mais a caminho.
Colegas que conheço bem, que dão os últimos passos da sua carreira e que mereciam uma vida mais descansada, manifestavam a sua alegria e mantinham firme o propósito de resistir até onde for necessário.
Ouvimos as intervenções, aplaudimos e cantámos tudo o que havia para cantar. Respeitámos um tempo de silêncio em memória dos professores que faleceram em situações que a mediatização tratou de dar a conhecer, e terminámos com o hino nacional.
Os colegas da minha escola que se deslocaram de autocarro, partiram à procura do meio de transporte que os traria de regresso às Caldas da Rainha. Estavam um pouco apreensivos: o estacionamento ocupava o espaço entre o Cais do Sodré e a ponte 25 de Abril.
Valeu a pena. Foi um dia inesquecível. A consciência dizia-nos: os professores portugueses, unidos como nunca, estão preparados para lutar.
O dia seguinte está aí.