existem dias assim
(fiz esta fotografia no dia 7 de Fevereiro de 2008)
Faleceu hoje, dia sete de Fevereiro de dois mil e oito, Maria Júlia da Conceição. Tinha cerca de noventa anos de idade. Se o meu caro leitor associar aquilo que escrevi à imagem que escolhi para ilustrar este meu texto, ficará, decerto, com uma das seguintes ideias: ou o autor do blogue não está com grande matéria para escrever ou então - e este segundo caso é o mais provável - serei condenado por estar demasiado distraído dos verdadeiros problemas do país. De um modo ou de outro, tenho de dizer-lhe que existem dias assim.
Parti, hoje, com destino a Leiria, terra de uma parte significativa da minha família, e por lá passei umas horas inesquecíveis. Fui ao funeral da minha tia freira: foi quase sempre assim que a conhecemos. Sabia que a Tia Maria, a irmã mais velha do meu pai, tinha decidido - ou alguém por ela - a sua absoluta reclusão enquanto jovem, muito jovem ainda. Foi a única, das suas sete irmãs, a seguir o caminho da completa religiosidade. Falei com ela poucas vezes, mas registei sempre um sorriso sereno e uma ternura infinita.
Encontrei, na zona do convento onde passou os seus últimos tempos, um ambiente calmo, recatado, rodeado de floresta e e com sinais de uma ruralidade que lá vai aguentando os desmandos de um urbanismo guloso e muito apressado. O convento assemelha-se a um centro de dia e de noite, mas, e pelo menos neste caso, aparenta respirar numa atmosfera fraterna e solidária.
Surpreendi-me com a missa: estava rodeado por algumas dezenas de freiras, idosas, e na esmagadora maioria dos casos, muito idosas até: algumas acompanharam-nos até à última morada de Maria Júlia da Conceição.
E é de moradas que vos fala a imagem que escolhi: dali, do último lugar da minha tia, vê-se a casa do meu avô; habitação centenária, terreno cortado pelas novas estradas que se abrem e que, diz-se, rasgam horizontes, e um conjunto de árvores que teima em resistir; sei, de fonte segura, que aqueles troncos confortaram vezes sem conta as diabruras das crianças do casal de Santo António: também da minha Tia e também do meu Pai - com especial destaque para a árvore que fotografei em primeiro plano -.
Para isto, a língua portuguesa tem um quase singular vocábulo: saudade.