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Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

Correntes

da pedagogia e em busca do pensamento livre

bloco da precaução

16.04.18

 

 

(1ª edição em 21 de Janeiro de 2009)

 



 
 
Quem se mete na aventura de reflectir sobre o estado do sistema escolar português pode escolher os mais variados pontos de partida. A minha opção navega na história mais recente e concentra-se no tratamento da informação.

 

Podia optar por "sistema escolar por blocos", mas o conceito de bloco da precaução reforça duas ideias: é o que mais asfixia o privilégio de ensinar e contamina de modo decisivo os outros dois blocos: o do ensino e o da organização escolar.
 
Importa estabelecer duas questões prévias:
 
A função primeira da escola é o ensino. Sabe-se muitas maneiras de ensinar, mas pouco sobre o modo como cada um aprende. Se em relação à forma como cada cérebro processa as suas aprendizagens a palavra-chave é ignorância, então é avisado não se hierarquizar, sem evidências objectivas, os métodos de ensino. Esse atrevimento selectivo, docimológico e algo dogmático, tem provocado inúmeras polémicas;
 
Os critérios determinantes para os sistemas de suporte à tomada de decisões, obedecem à hierarquização de três categorias sobre o seu tratamento: delimitar, obter e fornecer. Deve ser feita uma análise aturada que estabeleça a informação que é estruturante para, depois, a obter e fornecer em tempo real, com o recurso a novas tecnologias, e com o imperativo de produzir conhecimento (estruturante das organizações).

 

 

Situemos a argumentação e façamos a caracterização dos três blocos.

 

O bloco do ensino é o lugar que determina a actvidade que cada um dos professores faz dentro da sala de aula; neste imenso universo deve centrar-se a sua avaliação do desempenho, onde é indiscutível que cada professor deve estar sempre preparado para fundamentar as suas opções científicas e didácticas e os critérios que escolheu para avaliar os seu alunos.

 

O bloco da organização escolar é o espaço que cria as melhores condições para que cada uma das aulas se realize: é a sua primeira finalidade. Solicita aos professores duas informações: a classificação de cada um dos alunos e a respectiva assiduidade. Deve seleccionar a informação que pretende obter para a fornecer em tempo real e com a exigência da produção de conhecimento. Este bloco deve ser dirigido por um professor e tenho ideia que será melhor conduzido por aqueles que revelem um desempenho muito profissional no bloco do ensino.

 

O bloco da precaução caracteriza-se por um universo informativo que é obtido apenas para arquivo e que existe porque está determinado de modo central através das invenções técnico-pedagógicas do MEC. E é aqui que encontramos um elenco de má burocracia: inúmeras actas e relatórios sem parâmetros indicadores de informação estruturante, projectos educativos impossíveis de avaliar, projectos curriculares de turma e de escola, definição de objectivos com variadas designações, e por aí fora numa lista interminável.

 

A institucionalização do bloco da precaução, e a sua aparente autoridade, parte dos serviços centrais do MEC e alastra-se à organização de muitas das escolas.

As invenções burocráticas devidamente preenchidas, são, por precaução, a única consciência profissional de muitas organizações escolares. E isso retira sentido de autonomia e de responsabilidade e gera fenómenos de subserviência e de medo.

Este bloco, que foi construído paulatinamente ao longo de anos e que criou um muro de burocracia na gestão da informação escolar, é difícil de derrubar.

 

O porvir de um muro é tão diverso quanto o propósito da sua edificação. Quando a liberdade dos homens esbarra num qualquer aglomerado, de tijolos ou de verdades incontestáveis, o obstáculo acaba por ceder e cai. O que mais impressiona nas quedas é a incredulidade dos que estiveram anos a fio do lado errado: começaram por crer nas virtudes dos dogmas, sustentarm as suas vidas na acomodação aos cinzentos privilégios dos funcionários dessas sociedades e acabaram como defensores acérrimos de burocracia monstruosa e desprovida de qualquer sentido libertador da condição humana.

 

A situação dos professores portugueses pode explicar-se deste modo: imersos num tentacular assombro burocrático da cinco de Outubro e da restante máquina administrativa, os professores, indignados e saturados, e sem liberdade para ensinar, ecoam os seus protestos dos lugares mais recônditos do país até ao histórico Terreiro do Paço. Incrédulos, os funcionários do chamado "eduquês" ("uma industria que move milhões") ficam atónitos, surpresos, mas ainda esperançosos: têm, em quem governa o MEC, um último e desesperado bastião. Não é fácil assistir a uma queda sem fim e presenciar a ruína das convicções mais profundas.

 

Contudo, foi possível identificar um conjunto denominado de boas práticas que tornava "exequível" aquilo que depois se provava ser inaplicável: é essa uma parte crucial da história recente da avaliação do desempenho dos professores e do seu arrastamento insuportável. Quando se tentou perceber as boas práticas das escolas ditas de referência, o ridículo eliminou rapidamente a visibilidade mediática que se quis impor.

 

Também por precaução se deixou de falar nisso.

 

 

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